No mesmo mês em que a TV Cultura demitiu 50 profissionais das áreas de Operações, Jornalismo, Rádio, Produção, Manutenção e Engenharia, a emissora pública paulista estreou em sua programação um programa do Grupo Folha, com jornalistas e colunistas do jornal diário do conglomerado, Folha de São Paulo. E já se sabe que negocia fazer um acordo semelhante com Veja.
Para Gabriel Priolli, ex-diretor de Jornalismo e ex-Coordenador de Expansão e de Rede da emissora, ainda que muitos critiquem a participação de grupos privados de comunicação na grade da programação, o problema hoje, na TV pública paulista é outro: as opções de parcerias com grupos de comunicação específicos sinalizam que a Cultura está estabelecendo um alinhamento político e ideológico em seu jornalismo.
“É sabido que tanto a Folha, quanto a Veja têm afinidades entre si. São fortemente contra o governo federal e assumem diariamente posições de oposição”, argumenta o jornalista. Para ele, no entanto, uma TV pública deve garantir a diversidade e a pluralidade em seus conteúdos, dando espaço para todas as correntes de opinião. “Esse tipo de parceria não atende aos critérios de heterogeneidade que se esperaria de uma emissora pública e supostamente independente”, acrescenta.
Espaço para veiculação de grupos privados
Priolli não questiona a questão de uma TV pública ceder espaço para a veiculação de grupos privados. “Eu não seria coerente, se fizesse isso”, diz, ao lembrar que, durante sua gestão a emissora fez acordos de conteúdo com outras emissoras – a exemplo TV 5, francesa, e a BBC. “Ainda que a BBC seja estatal, sua programação abrange de tudo, inclusive o entretenimento, e pouco difere da apresentada em algumas TVs comerciais”, pontua.
Para o especialista em jornalismo televisivo, há um problema de fundo no jornalismo público - universal mesmo – que é o seu financiamento. “TVs com esta característica, mundialmente, sofrem cronicamente com falta de receitas”, afirma. Exceção feita às emissoras daqueles países em que a TV já nasceu pública, a exemplo da Inglaterra, França ou Espanha. No restante do mundo, portanto, parcerias e permutas de conteúdo podem ser uma saída prática para um problema real.
“Não se trata de ser purista, aqui”, ressalta. Ele lembra que, por falta de verbas, o índice de reprises de programas antigos é absurdamente alto na TV Cultura, assim como há programas que se eternizam na grade, pois não há verba para se experimentar o novo.
Perguntas inconvenientes
Para o jornalista, o preocupante da nova fase da emissora é que os critérios de heterogeneidade de opiniões não estão presentes na linha do jornalismo. “A TV Cultura, ao longo dos anos, já travava uma luta permanente para não se subordinar ao governo estadual”, recorda. Uma luta que se acirrou nas últimas gestões – José Serra e Geraldo Alckmin - que procuraram impedir a própria existência de pessoas ou de grupos que tivessem qualquer posição antagônica às do governo estadual paulista.
“Ao ponto de, no jornalismo, nem se cogitar em fazer qualquer pergunta que, de alguma maneira, pudesse constranger as autoridades estaduais”, lembra.
Ele próprio foi demitido apenas por pautar uma matéria que tratava da questão dos pedágios paulistas, um tema largamente tratado por toda a mídia durante a última campanha ao governo do Estado. “A subordinação da emissora ao governo do Estado é de tal forma que até seu conselho curador, formado por 42 membros, em tese um anteparo às pressões governamentais, possui na sua composição 17 secretários estaduais, além de reitores das universidades, todos nomeados ou chancelados pelo governo estadual”, denuncia.
Conselho chapa branca
“Tampouco existe uma eleição de presidente ao conselho. O que ocorre é uma sagração. Quem escolhe, de fato, quem conduz a emissora é o governo do Estado”, acrescenta.
Para Priolli, ilude-se quem imagina a TV Cultura uma emissora pública e autônoma. “Na prática, trata-se de um órgão do governo do Estado”, afirma. Para ele, o mais preocupante é que jornalismo da emissora não é republicano, muito menos universal. “Tampouco o vemos dedicado à análise, ou à crítica”, comenta. Com a possível entrada de um programa da Veja na grade da emissora Priolli alerta: “é preocupante, pois o posicionamento de Veja reproduz o jornalismo “neoconservador”, o mesmo da emissora norte-americana Fox, com seu direitismo raivoso, explícito e exaltado”. O ex-diretor da TV Cultura ressalta que esta nova direita não tem qualquer escrúpulo para expurgar das redações profissionais de visão diferente.
No caso da TV Folha, pondera, nota-se, ao contrário, ainda que o jornal tenha uma posição bem mais crítica que o próprio jornalismo da TV Cultura – “seus colunistas fizeram perguntas às autoridades do governo que nenhum jornalista da Casa ousaria fazer”- o primeiro programa foi particularmente publicitário. “Fizeram questão de mostrar como a Folha faz jornalismo, ao invés de se centrarem nas notícias em si”, criticou.
Fonte: Blog do Zé Dirceu
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