quinta-feira, 29 de março de 2012

As Malvinas, os mísseis Exocet e o metrô de Buenos Aires


Decorridos trinta anos da invasão às ilhas Malvinas determinada pela Junta Militar e a guerra por meio da qual a Grã Bretanha recuperou sua posse, permanecem existindo aspectos obscuros que não se conhecem ou que foram esclarecidos de forma parcial. Um deles é a intervenção da Loja P-2, dos irmãos Franco e Tonino Macrì, da FIAT e da Techint para a obtenção de armamentos de última geração em que pese o bloqueio britânico e as condições econômicas desse apoio, que incluíram a concessão do metrô portenho às empresas italianas. Franco e Tonino são os respectivos pais dos atuais chefes de governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires e de Vicente López, Maurizio e Jorge Macrì. Esta é, assim, a pré-história de um assunto de estrita atualidade quando se comemoram três décadas daquele conflito. A nova geração dos Macrì encabeça a principal alternativa ao kirchnerismo, enquanto a FIAT e a Techint resistem como podem à política econômica que, ainda assim, lhes permitiu obter ganhos extraordinários.

Cristiano Rattazzi Agnelli parou várias vezes a produção da FIAT alegando falta de peças importadas. Paolo Rocca pressionou de forma escancarada por uma desvalorização do peso e resistiu tudo o que pôde ao reinvestimento de lucros no país, no que foi um testemunho sobre a vontade política do governo de disciplinar as maiores empresas.

Os Exocet
Um dos momentos críticos da guerra foi o afundamento do destróier britânico HMS Sheffield com um míssil francês Exocet lançado de um avião naval Super Etendart. Como reflexo da improvisação com que se decidiu ocupar as ilhas, a Argentina não tinha uma provisão suficiente dessas armas letais e, quando ficou evidente o dano que podiam causar à frota real, o governo de Margaret Thatcher pressionou o da França para que não entregasse novas unidades à Argentina. Começaram então diversas gestões para conseguir novos Exocet no mercado negro. Algumas são conhecidas, mas outras permanecem nas sombras.

A história da conexão italiana foi descoberta por pura casualidade pelo juiz de Trento, Carlo Palermo. Durante o cumprimento de um mandato de busca e apreensão em sua investigação sobre tráfico de armas e drogas por parte da P-2, Palermo encontrou documentos sobre um acordo entre a Itália e a Argentina: se a ditadura pudesse comprar os mísseis haveria bons negócios para as empresas italianas em Buenos Aires. Segundo a documentação, intervieram nesse acordo o secretário geral do Partido Socialista italiano Bettino Craxi, o grande mestre da P-2 Licio Gelli, o banqueiro do Vaticano e da máfia Roberto Calvi, os empresários ítalo-argentinos Franco e Tonino Macrì e Gaio Gradenigo, um torturador das milícias fascistas da República de Saló, foragido na Argentina para driblar uma condenação dos aliados.

Uma carta, enviada pelo representante na Argentina de Craxi, dizia que os irmãos Macrì “representam aqui os interesses da FIAT”. A Loja P-2, fundada por Gelli, teve entre seus integrantes altos funcionários dos governos de Juan Perón, Raúl Lastiri e Isabel Martínez, como José López Rega, e vários altos chefes da ditadura militar que os tirou do poder, como os generais Carlos Suárez Mason e Luis Alberto Betti, os almirantes Emilio Eduardo Massera e Juan Questa e o capitão de Navio Carlos Alberto Corti. Em 1973, um colaborador de Gelli na P-2, Giancarlo Elia Valori, colocou Massera em contato com Juan Perón, que lhe ofereceu ser comandante geral da Marinha. Menos conhecido é que foi o vice-presidente da direção do jornal Clarín, Horacio Rioja, quem apresentou Valori a Massera.

A Marinha peruana apareceria como o comprador dos Exocets, que depois seriam entregues para a Argentina. O pagamento seria feito com uma carta de crédito do Banco Central do Peru. Mas a inteligência britânica detectou que a garantia era um depósito de duzentos milhões de dólares do Banco Andino de Lima, subsidiário e de propriedade total do Banco Ambrosiano, no qual Roberto Calvi administrava recursos do Vaticano. O capital do Andino havia sido bancado pela Ambrosiano Holdings e a maior parte de seus serviços se dirigia às empresas fantasmas controladas por Licio Gelli, que havia fugido ao Uruguai e à Argentina depois da condenação em suspenso de Calvi por este tipo de operações.

O Ambrosiano só não entrou em colapso imediato porque o Instituto para as Obras Religiosas, conhecido pela sigla IOR e caracterizado como o Banco do Vaticano se comprometeu em apoiá-lo. Entre os materiais que o juiz confiscou havia um contrato para a provisão de 52 Exocet a um custo de 985 mil dólares cada, na operação denominada Pampa, a cargo do capitão de navio Carlos Alberto Corti, um dos argentinos membros da P-2. A investigação do juiz Palermo terminou com a carreira política de Craxi, que morreu refugiado na África para evitar o processo.

Ordem de captura
Palermo também ordenou a captura dos irmãos Macrì. Uma carta remetida de Buenos Aires pelo representante de Craxi, contava que, em fevereiro de 1982, “Macrì ofereceu genericamente ao governo argentino a total disponibilidade das empresas italianas para colaborar com a provisão para a guerra das Malvinas, incluindo helicópteros. Em troca deste apoio político o governo argentino – Gen. Galtieri – se compromete a dar a Macrì e ao grupo que representa – e continua representando – a concessão para ampliar e explorar por vinte anos a rede subterrânea de trens, levando-a ao dobro da sua extensão”.

O autor da carta, que o juiz Palermo encontrou em um mandato, era Gradenigo. Havia integrado a milícia fascista Guarda Republicana Nacional, na qual se destacou como torturador. Condenado a dezoito anos de prisão ao terminar a guerra, nunca foi preso e, em 1946, fugiu para a Argentina, onde se converteu em um dos grandes personagens da coletividade. Ele dirigia o periódico quinzenal Risorgimento e integrava o neofascista Movimento Social Italiano, ao qual enviava ajuda econômica da Argentina.

Corti era representante de Gelli na Argentina e havia se casado com uma sobrinha do Grande Mestre. O juiz Palermo constatou que Macrì havia adquirido as operações da FIAT na Argentina “com fundos de procedência duvidosa”, que, em conjunto com funcionários italianos, estava interessado na concessão do metrô de Buenos Aires, e que presidia a Comissão Argentina por uma Paz Justa, que tramitou na Itália a revogação das sanções econômicas, motivo pelo qual se reuniu, entre outros, com Craxi. O próprio Gradenigo confirmou as tratativas para a provisão de armas e até o uso de documentos falsos. A investigação também confirmou que em 1980 havia se formado a UTE Metrobaires que, segundo a carta, ganharia a licitação do metrô em troca dos armamentos que a Junta Militar necessitava para a guerra do Atlântico Sul.

Palermo cotejou estes dados com documentos oficiais segundo os quais o governo italiano garantia os trabalhos por um bilhão e setecentos milhões de dólares e, caso fosse contemplada, a Metrobaires passaria parte das obras para a FIAT Argentina. Entre as empresas italianas que integravam a UTE estava a Techint Argentina. Outro membro da P-2, Arrigo Molinari, declarou diante do juiz Palermo que Roberto Calvi havia financiado todo o esforço bélico argentino nas Malvinas. No dia 10 de maio, Gelli voltou de forma clandestina de Buenos Aires à Itália, para exigir de Calvi os oitenta milhões de dólares que os traficantes de armas pediam pelos Exocets para a Marinha argentina.

Uma mensagem na geladeira
Na geladeira de seu hotel em Buenos Aires, o juiz Palermo encontrou um recadinho que o ameaçava fazê-lo cair. Depois de um atentado ao qual sobreviveu, Palermo se afastou da magistratura e a causa minguou. Em sua autobiografia, Franco Macrì qualifica o episódio de “ridículo e falso”, embora admita a gestão pela paz e sustente que a licitação “já havia acontecido e a única empresa que havia apresentado oferta havia sido a Techint”, o que se distancia de ser um desmentido. No dia 10 de agosto de 1983, Licio Gelli fugiu da cadeia suíça na qual estava detido. Versões da imprensa europeia indicaram que um comando militar argentino esteve envolvido nesta fuga.

Tradução: Libório Junior

Fonte: Página 12

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