Eleonora de Lucena tem feito entrevistas memoráveis na Folha de S. Paulo, como esta do Pérsio Arida (a seguir). Para analisar o conteúdo da entrevista, é importante duas precauções.
Por Luís Nassif
Entender as nuances do sistema financeiro. De um lado há os bancos em si, comerciais e de investimentos. De outro, os gestores de recursos – bancos e fundos de investimentos, grande capital propriamente dito.
Com o brilhantismo de sempre, desde o Real Pérsio atua como lobista (no sentido norte-americano, de levantar argumentos a favor) do segundo grupo, dos gestores de recursos e do grande capital.
Essa diferença era nítida desde os tempos do plano Cruzados. André Lara costumava se referir com desprezo aos banqueiros convencionais, em contraposição ao arrojo e modernidade dos novos bancos de investimento.
A política econômica é o exercício de um conjunto de opções. Em uma visão pragmática, podem haver opções favoráveis ao mercado, que sejam boas para a economia e o país; e outras mais intervencionistas, que permitam corrigir falhas de mercado.
Todas as opções propostas por Arida visam beneficiar ou pelo menos minimizar os sacrifícios do lado investidor. Esse papel que se outorgou restringe bastante sua capacidade analítica mas, enfim, faz parte do jogo.
Vamos aos principais pontos da entrevista.
Primeiro, os pontos de concordância:
As análises sobre as economias europeia, norte-americana e chinesa são bastante consistentes.
A posição de que o BNDES não deveria amparar grandes empresas com acesso ao mercado de capitais é perfeitamente lógica.
Os demais pontos:
Porque o país não pode crescer acima de 3,5%
“Porque é muito acima da taxa de crescimento normal, leva a sobreaquecimento, pressão inflacionária excessiva, gargalos de infraestrutura, falta de poupança doméstica. Há inúmeros fatores que fazem com que a economia não possa crescer a 7% ao ano de forma sustentada”.
Há uma discussão recorrente entre economistas sobre o chamado PIB potencial (quanto um país pode crescer sem desorganizar a economia) e também sobre a taxa de juros de equilíbrio (até quanto os juros podem cair sem provocar inflação). Ambas as teses privilegiam a elevação de juros em qualquer hipótese.
A primeira dispara alta de juros a qualquer sinal mínimo de aquecimento. A segunda define um piso para os juros, quando não existe inflação – acenando com ameaça futura de inflação se os juros caírem mais.
A primeira vez que Arida abordou a taxa de juros de equilíbrio da economia, por seus cálculos hoje em dia seria na faixa de 14% (inflação de 6,5% mais 7,5% de taxa de juros), algo sem paralelo em nenhuma outra economia mundial. Chamou de “jabuticaba”, por só acontecer no país. Na verdade, “jabuticaba” era a teoria que tentou desenvolver.
Sobre o PIB potencial e os gargalos da economia
“Na economia brasileira hoje a taxa sustentável de crescimento é algo em torno de 3,5%, 4%. Sustentável no sentido de capaz de manter a inflação sob controle e evitar gargalos maiores nos processos de infraestrutura”.
Gargalo é o processo deflagrador do investimento. No desenvolvimento, a parte mais difícil de construir é a demanda. Dada a demanda, a oferta vem atrás, porque viabiliza os investimentos.
Justamente porque gargalos são provocados por mudança de patamar de consumo. Se tenho uma estrada pouco transitada, a troco de quê vou canalizar investimentos (escassos) para ela. Ao contrário: se uma estrada é bem transitada, há justificativa econômica para o investimento, como demanda para viabilizar PPP (parcerias público-privadas) ou concessões.
A lógica “cabeça de planilha” supõe que, primeiro os países investem (recursos escassos) em infraestrutura, sem dispor de demanda, para aguardar quando a demanda chegar.
Quanto ao PIB potencial, o Secretário Executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, tem trabalhos exemplares desmistificando a lógica de cálculo.
Sobre bancos e investidores
“A estatização de bancos é sempre o último recurso. Mas é melhor estatizar os bancos do que deixar os bancos quebrarem”.
“Toda a crise bancária sistêmica associada a bolhas ou de ativos ou no mercado imobiliário ou no mercado acionário tipicamente põe os governos diante de uma situação difícil. Se pode permitir que os bancos quebrem, o que é um trauma extraordinário para a formação de poupança ao longo do tempo. Ou salvar os bancos. E para salvar os bancos, ou o governo injeta dinheiro ou absorve parte do portfólio podre dos bancos. É sempre melhor a segunda solução do que a primeira. O grande drama da grande recessão, não foi a queda da bolsa de 1929 ou o folclore de alguém que se jogou pela janela. O drama foi a quebra dos bancos”.
Opa, Pérsio estaria saindo de seu papel de lobby dos gestores para assumir a defesa dos bancos? Claro que não:
Se pode salvar os bancos de inúmeras formas diferentes. Penalizando os acionistas dos bancos, que é a forma correta, nem sempre adotada na Europa. Sempre o primeiro a ser penalizado tem que ser o acionista do banco. Mas salvar bancos, não penalizar o credor dos bancos. Penalizar o acionista e não penalizar o credor.
Esta é a lógica que está emperrando as soluções europeias: investidores que aceitaram correr risco, para ganhar taxas absurdas de retorno, seriam poupados das perdas com investimentos malsucedidos.
É a socialização das perdas?, pergunta Eleonora. Claro que é. Mas Pérsio dá uma de Mirian e coloca como centro dos investimentos ... o trabalhador. É evidente que há inúmeras maneiras de defender a pequena poupança de perdas. É só proteger os depósitos até determinado valor – algo que existe até no sistema bancário brasileiro. Mas Pérsio prefere utilizar o trabalhador como biombo para proteger a aplicação do grande especulador:
“Porque o depositante, o trabalhador que tem dinheiro no banco perde a sua poupança, zera. Ou ele pode aumentar a dívida pública, com o que ele socializa a dívida entre a geração atual e as futuras. A dúvida não e socializar a perda ou não: ela vai haver de qualquer forma. É se quem paga é só a geração atual ou se de alguma forma divide o peso do pagamento entre as gerações atual e as futuras. Quando se divide o peso, se aumenta a dívida pública, porque alguém vai ter que pagar isso em algum momento para frente. Não necessariamente o trabalhador de hoje, mas o trabalhador do futuro”.
Sobre ajustes em tempos de crise
Em períodos de crise, lucro, empregos, produção, tudo é afetado.
Há diversas maneiras de atuar sobre a questão, evitando quebradeiras e desemprego:
Medidas tributárias de desoneração fiscal.
Defesa da produção e do emprego interno contra a concorrência internacional.
Flexibilização das leis trabalhistas.
Redução do seguro-desemprego, para reduzir o piso de salário pelo qual o trabalhador estaria disposto a voltar ao mercado.
Cada qual pode ser colocado na balança, com o prato com as vantagens e o outro com as desvantagens. O que Arida faz é considerar apenas o prato que interessa aos interesses que defende. Ou seja, o ajuste exclusivamente através do salário.
Por exemplo.
No caso do seguro-desemprego, em níveis melhores impede a desorganização familiar, preserva níveis mínimos de consumo por família. Na outra ponta, coloca um piso no salário de retorno do trabalhador ao mercado. Persio seleciona só o prato da balança que o favorece.
“Se você tem seguro-desemprego muito generoso, como é o caso da Espanha, é contraproducente, porque torna o desemprego mais rígido. Um país com seguro-desemprego generoso de mais não é melhor do ponto de vista do bem-estar do que um país com seguro-desemprego menos generoso.”
Sobre ajuste fiscal em tempos de crise:
“Mas fazer o ajuste fiscal em si no momento de crise é até bom, porque a sociedade toma consciência da necessidade do ajuste”.
Ou seja, em vez de utilizar a lógica da dona-de-casa no estado – não se pode gastar mais do que se poupa – usa-se a lógica do ajuste fiscal para educar a dona de casa: o ajuste fiscal é importante para dar exemplo à dona de casa. Campeão!
Sobre medidas protecionistas
Por exemplo?
Automóveis. No caso você está protegendo um grupo de multinacionais contra outro grupo de multinacionais. É difícil de entender a racionalidade.
“Emprego no Brasil não seria uma justificativa?
Não, é difícil. As medidas protecionistas como um todo dificilmente tem justificativa. A tendência intervencionista tem que ser contida, porque ela dá uma satisfação imediata e faz um desacerto no longo prazo.
Mas todos os países adotam medidas assim.
Não existe país perfeito no mundo. Quando se faz gestão econômica, você tem que evitar errar. Se outros erram é problema deles.”
No período financista, o mote preferido do mercado para justificar uma medida aparentemente irracional era: “em todo lugar do mundo é assim”.
Agora, quando o mundo caminha para o protecionismo: “Não podemos copiar o erro dos outros”.
Sobre aumento do mínimo e distribuição de renda
“Mas o aumento do mínimo não distribui renda?
Não. Isso provoca pressão inflacionária, de um lado. Aumenta os gastos com inativos da União. Aumenta o gasto público na veia”.
Causa brotoeja, dor de dente, lumbago.... A pergunta era sobre distribuição de renda.
“Então o aumento do salário mínimo não é distribuição de renda?
"Não. A melhor distribuição de renda que o Brasil pode fazer, de um lado, é a ajuda direta aos mais necessitados, com bolsas família”.
O salário mínimo é pago a aposentados de baixa renda. É ajuda direta na veia, tanto quanto o Bolsa Família. Tem baixíssimo impacto na indústria.
Sobre o pacto das elites
“Quando você faz políticas protecionistas, créditos direcionados, quando privilegia determinados grupos, quem está implementando e quem recebe benefícios genuinamente pensam que estão fazendo o bem comum”. (…)
A política de juros, que faz uma enorme transferência de riqueza para os mais ricos, faz parte desse pacto anti-liberal?
Não é que as pessoas são antiliberais para fazer maldades. Tem uma certa mentalidade antiliberal. Acho que até um melhor termo que eu usaria, em vez de pacto antiliberal, uma mentalidade antiliberal. A taxa de juros eu não colocaria nessa linha, embora ela tenha certamente um efeito concentrador de renda. Ela responde a outros fatores” (…).
A taxa de juros não responde à lógica do rentista: responde à teoria econômica isenta. É duro!
Então por que os juros são altos?
O Brasil fez enormes violências contra a poupança financeira ao longo do tempo. Desde a manipulação da correção monetária, chegando ao extremo no Plano Collor. Foi gerada uma certa insegurança e um prêmio de risco associado à poupança financeira. Quanto mais tempo passa sem que você faça nenhuma violência contra poupança financeira, menor o trauma do passado e melhora esse prêmio de risco.
Então tá. Outros argumentos para os juros elevados:
Quando a inflação em alta: para derrubar a inflação.
Quando inflação controlada: porque tem piso para os juros, senão a inflação volta.
Explicação Gustavo Franco: porque a dívida pública é elevada.
Explicação Pérsio: por causa dos planos econômicos de vinte anos atrás.
Sobre os que se beneficiaram do “pacto das elites"
O sr. leu o "Privataria Tucana"?
Não falo sobre isso.
Como está o seu indiciamento na Satiagraha?
Não quero falar sobre isso.
E sobre Daniel Dantas?
Não quero falar sobre isso.
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