terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Leia na íntegra a entrevista de Dilma ao The Washington Pos






Uma das principais publicações do mundo, o jornal norteamericano traz na edição deste domingo (5) entrevista exclusiva com a brasileira, eleita presidenta do país no dia 30 de outubro. Do TWP, Dilma fala sobre direitos humanos, economia, relação entre entre Brasil e Irã e as expectativas para os próximos quatro anos.

Por www.dilma.com.br, editado por Leandro Rodrigues
Segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Em entrevista ao jornal norteamericano The Washington Post , a presidente eleita, Dilma Rousseff, afirmou discordar da abstenção do Brasil em votação na ONU de uma resolução que condena violações de direitos humanos no Irã. “Minha posição não mudará quando eu assumir o cargo. Não concordo com a forma como o Brasil votou. Não é a minha posição”, afirmou para o diário publicado neste domingo (5).

A resolução a que se refere foi votada e aprovada na Assembleia-Geral das Nações Unidas há duas semanas. O texto cita preocupação com casos de tortura, alta incidência de penas de morte, violência contra mulheres e perseguição a minorias étnicas e religiosas. Foram 80 votos a favor da resolução da ONU, 44 contra e 57 abstenções. Além do Brasil, se abstiveram Índia, África do Sul e Egito.

“Não sou a presidente do Brasil [hoje], mas me sentiria desconfortável, como uma mulher eleita presidente, em não dizer nada contra o apedrejamento”, disse Dilma. O tema do apedrejamento está na pauta internacional desde que a iraniana Sakineh Ashtiani foi condenada à morte por supostamente ter cometido adultério. Entidades de direitos humanos dizem que ela foi forçada a confessar o suposto crime.

“Eu não concordo com práticas que tenham características medievais [no que diz respeito] às mulheres. Não há nuances. Não farei nenhuma concessão nesse assunto”, afirmou Dilma.

Na semana de sua eleição, Dilma já havia afirmado que se opunha à decisão do governo do Irã. “Eu sou radicalmente contra o apedrejamento da iraniana. Não tenho status oficial para fazer isso, mas externo que acho uma coisa muito bárbara o apedrejamento da Sakineh”.

Apesar das críticas, Dilma defendeu a atuação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na questão iraniana e disse que ele sempre atuou em prol dos direitos humanos. “Lula tem o seu próprio histórico. Ele é um presidente que advogou pelos direitos humanos, um presidente que sempre advogou pela construção da paz”.


Economia

A presidente eleita afirmou que pretende diminuir o déficit público e reduzir a relação dívida/PIB para 30% - hoje está na casa dos 42%. “Preciso racionalizar o gasto e, ao mesmo tempo, ter um crescimento do PIB que leve o país adiante”. Questionada sobre o que entende por “racionalizar os gastos”, disse: “Não temos que cortar gastos do governo. Vamos cortar despesas, mas continuar a crescer”.

Dilma comparou sua eleição à de Barack Obama. “Pode ser muito difícil eleger um presidente negro nos EUA, como foi muito difícil eleger uma mulher no Brasil”. Ela voltou a afirmar que pretende visitar Obama nos dias seguintes à sua posse e informou que o americano foi convidado informalmente a visitar o Brasil.

Leia a entrevista na íntegra e traduzida:


NO BRASIL, DE PRISIONEIRA À PRESIDENTA
Por Lally Weymouth, editora-sênior do The Washington Post, especialmente enviada à Brasília

Quatro semanas atrás, os brasileiros elegeram seu primeiro presidente do sexo feminino – Dilma Rousseff, a candidata escolhida por Luiz Incio Lula da Silva, o popular presidente do Brasil, que está de saída. Dilma Rousseff chega ao poder com um percurso incomum: ela lutou na década de 1960 contra o regime militar que então governava o país, foi presa e torturada entre 1970 e 1972.

Começou na política local e entrou para o governo Lula, em 2002, como ministra de Minas e Energia, tornando-se sua chefe de gabinete. Em 02 de dezembro, em sua primeira entrevista longa desde a eleição, Dilma Rousseff falou sobre seus planos para os próximos quatro anos. Confira:

The Washington Post: Ter sido uma presa política lhe dá mais simpatia por outros presos políticos?

Dilma Rousseff: Não há dúvida sobre isso. Devido ao fato de que eu experimentei pessoalmente a situação de um preso político, eu tenho um compromisso histórico para todos aqueles que foram ou estão presos apenas porque expressa seus pontos de vista, a opinião pública, suas próprias opiniões.

TWP: Então, isso afetará sua política em relação ao Irã, por exemplo? Por que o Brasil apoia um país que permite que as pessoas sejam apedrejadas e prende jornalistas?

DR: Creio que seja necessário fazer uma diferenciação [no que queremos dizer quando nos referimos ao Irã]. Eu considero [importante], uma estratégia de construção da paz no Oriente Médio. O que vemos no Oriente Médio é a falência de uma política. Exemplo do Afeganistão e do desastre que foi a invasão do Iraque. Nós não conseguimos construir a paz, e nem conseguimos resolver os problemas do Iraque. Hoje o Iraque está em guerra civil. Todo dia, soldados de ambos os lados morrem. Tentar construir a paz e não estimular a guerra é o melhor caminho.

Mas eu não endosso o apedrejamento. Eu não concordo com as práticas que têm características medievais contra as mulheres. Não há nuances, não vou fazer quaisquer concessões a esse respeito.

TWP: O Brasil se absteve de votar sobre a recente resolução sobre os direitos humanos da ONU.

DR: Eu ainda não sou a presidenta do Brasil, mas eu me sentiria desconfortável, como uma mulher presidente eleita, em não dizer nada contra o apedrejamento. Minha posição não vai mudar quando eu tomar posse. Eu não concordo com a maneira como o Brasil votou. Não é minha posição.

TWP: Muitos norte-americanos tinham a simpatia do povo iraniano que se levantaram nas ruas. É por isso que eu quis saber se a sua posição sobre o Irã seria diferente do que seu atual presidente, que tem boas relações com o governo iraniano.

DR: O presidente Lula tem a sua própria reputação. Ele é um presidente que defendeu os direitos humanos, um presidente que sempre defendeu a construção da paz.

TWP: Como você vê a relação do Brasil com os Estados Unidos? Como você gostaria de vê-la evoluir?

DR: Considero a relação com os EUA muito importante para o Brasil. Vou tentar estreitar os laços com os EUA, eu tenho grande admiração para a eleição do presidente Obama. Eu acredito que os EUA, naquele momento, mostrou grande capacidade para mostrar que é uma grande nação, e surpreendeu o mundo. Pode ser muito difícil ser capaz de eleger um presidente negro nos os EUA, como foi muito difícil eleger uma mulher presidente do Brasil.

Eu acredito que os EUA tem uma grande contribuição a dar ao mundo. E acima de tudo, acredito que o Brasil e os EUA têm de desempenhar um papel em conjunto no mundo. Por exemplo, temos um grande potencial para trabalhar juntos na África, porque podemos construir uma parceria para disponibilizar tecnologias agrícolas, produção de biocombustíveis e ajuda humanitária em todos os campos.

Acredito também, neste momento de grande instabilidade devido à crise global, é fundamental que devemos encontrar maneiras que vão garantir a recuperação das economias dos países desenvolvidos, pois isso é fundamental para a estabilidade do mundo. Nenhum de nós no Brasil estará confortável se os EUA carrega altos índices de desemprego. A recuperação dos EUA é importante para o Brasil porque os EUA têm um mercado consumidor extraordinário. Hoje, o maior superávit comercial de os EUA está com o Brasil.

TWP: Você culpa que a flexibilização monetária [quantitative easing] por isso?

DR: A flexibilização monetária é um fato que nos preocupa muito porque isso significa uma política de desvalorização do dólar, que tem efeitos sobre o nosso comércio exterior e também na desvalorização de nossas reservas de divisas, que são em dólares. Para nós, uma política de dólar fraco não é compatível com o papel que os EUA executa, devido ao fato de que a moeda dos EUA serve como uma reserva internacional. E uma política de desvalorização sistemática do dólar pode provocar reações de proteccionismo, que nunca é uma boa política a seguir.

TWP: Quando você planeja visitar os Estados Unidos? Eu sei que você foi convidada para vir antes de sua posse, em 1º de janeiro, mas você não pode.

DR: Eu não estou aceitando todos os convites que recebo. Eu não estou visitando todos os países estrangeiros. Eu tenho que montar o meu próprio governo. Eu tenho que nomear 37 ministros. Estou planejando visitar o presidente Barack Obama no primeiro dia após minha posse, se ele puder me receber.

TWP: E você vai convidar o presidente Barack Obama para vir ao Brasil?

DR: Já convidei informalmente, durante a reunião do G-20.

TWP: Existem preocupações na comunidade empresarial dos EUA sobre se o Brasil vai continuar no caminho econômico definido pelo presidente Lula.

DR: Não há dúvida sobre isso. Por quê? Porque, para nós esta foi a grande conquista do nosso país. Não é uma conquista de uma administração única - é uma conquista do Estado brasileiro, do povo de nosso país. O fato é que conseguimos controlar a inflação, ter um regime de câmbio flexível e da consolidação orçamental, tanto que hoje estamos entre os países no mundo que tem a menor relação dívida/ PIB. Além disso, temos um déficit não é muito significativo. Eu não quero me gabar, mas nós temos um déficit de 2,2 por cento. Pretendemos, nos próximos quatro anos reduzir relação dívida/ PIB e garantir essa estabilidade inflacionária.

TWP: Você já disse publicamente que gostaria de ver as taxas de juro diminuirem. Você vai cortar o orçamento ou reduzir o aumento anual dos gastos do governo?

DR: Não há nenhuma maneira de cortar as taxas de juros, a menos que você reduza seu déficit fiscal. Nós somos muito cautelosos. Nós temos um objetivo em mente: de que nossas taxas de juros sejam convergentes com as taxas de juros internacionais. Para conseguir chegar lá, uma das questões mais importantes é a redução da dívida pública. A outra questão importante é melhorar a competitividade da nossa produção e da agricultura. Também é muito importante que o Brasil racionalize o sistema fiscal.

Para abaixar as taxas de juro, você deve cortar gastos ou aumentar a economia doméstica.

Não dá pra esquecer o crescimento econômico. É necessário combinar muitas coisas.

TWP: Qual é seu projeto?

DR: Meu projeto é continuar a trajetória que temos seguido até hoje. Conseguimos reduzir nossa dívida de 60 por cento para 42 por cento. Nosso objetivo é chegar a 30 por cento do nosso PIB. Eu preciso racionalizar os gastos e, ao mesmo tempo, ter um aumento do nosso produto interno bruto, que conduzirá o país avançar.

TWP: E o que você quer dizer quando diz “racionalizar gastos”?

DR: Não estamos em uma depressão aqui. Nós não temos que cortar os gastos do governo. Nós vamos cortar despesas, mas continuam a crescer.

Estamos seguindo um caminho muito especial. Este é um momento em que o país está crescendo. Nós temos a estabilidade macroeconômica e, ao mesmo tempo, temos muito orgulho no fato de termos conseguido reduzir a extrema pobreza no Brasil.

Nós trouxemos 36 milhões de pessoas para a classe média. Retiramos 28 milhões da pobreza extrema. E como conseguimos isso? Com políticas de transferência de renda. O “Bolsa Família” é um dos principais exemplos.

TWP: Explique como funciona o “Bolsa Família”.

DR: Nós pagamos um salário, que é uma bolsa de renda para os mais pobres. Os beneficiados ganham um cartão para retirar o valor, mas têm duas obrigações para respeitar: devem colocar seus filhos na escola e provar que eles compareceram a 80% das aulas. Ao mesmo tempo, as crianças também devem receber todas as vacinas e sempre passar por avaliação médica. Este é um fator que foi responsável, mas não é o único.

Nós criamos 15 milhões de novos empregos durante a administração do presidente Lula. Só este ano já criamos 2 milhões.

TWP: Vocês está muito próxima ao presidente Lula. Você realmente vai ser diferente ou vai ser apenas uma continuação do seu antecessor?

DR: Eu acredito que o meu governo será diferente do presidente Lula. O governo do presidente Lula, o que eu fazia parte, construiu uma base a partir da qual vou avançar. Não vou repetir a sua administração, porque a situação no país hoje é muito melhor do que era em 2002. Eu tenho os programas governamentais em andamento, que eu ajudei a desenvolver, como o “Minha Casa, Minha Vida”, que é um programa de habitação.

Meus desafios são outros. Vou ter de resolver questões como a qualidade dos cuidados de saúde pública no Brasil. Vou ter que criar soluções para problemas de segurança pública.

O Brasil passou por mais de 30 anos sem investir uma quantidade suficiente em infraestrutura. O governo do presidente Lula começou a mudar isso. Eu tenho que resolver as questões rodoviárias no Brasil, as ferrovias, as rodovias, os portos e aeroportos.

E há uma boa notícia: descobrimos petróleo em águas profundas.

TWP: Você está sugerindo que essa descoberta irá financiar a infraestrutura?

DR: Criamos um Fundo Social que determina parte dos recursos do governo gerados pelo petróleo serão investidos em educação, saúde, ciência e tecnologia.

TWP: Você tem que preparar o país para a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

DR: Sim, mas eu também tenho outro compromisso, que é acabar com a pobreza absoluta no Brasil. Nós ainda temos 14 milhões na pobreza. Esse é o meu grande desafio.

TWP: Todos os empresários que eu encontrei em São Paulo disseram que tinham que estar muito preparados para se encontrar com você, pois você está muito familiarizada com a maioria dos projetos.

DR: Sim, é verdade. Eu acho que é uma característica feminina. Nós apreciamos os detalhes. Os homens não.

TWP: O que significa para você ser a primeira mulher presidente do Brasil?

DR: Ainda penso que é surpreendente.

TWP: Quando você decidiu que queria ser presidenta?

DR: Esse foi um processo. Não há nenhuma data. Comecei a trabalhar com o presidente Lula, e ele começou a dar algumas indícios de que gostaria que eu concorresse à presidência, mas ele não foi claro sobre isso no começo. Foi uma grande honra para mim, mas eu não estava esperando por isso.

A partir do momento que ficou claro para mim que eu seria nomeada, há dois anos, eu sabia que tínhamos criado as condições adequadas para tornar possível e ganhar as eleições. O presidente Lula teve uma excelente administração e o povo brasileiro e reconheceu isso. Somos uma administração diferente - nós ouvimos o povo.

TWP: Você recentemente enfrentou um câncer.

DR: Sim, mas eu acredito que eu consegui lidar bem com isso. As pessoas têm que saber que o câncer pode ser curado. Quanto mais cedo você descobrir, maiores são suas possibilidades de cura. É por isso que a prevenção é importante...

Acredito que o Brasil estava preparado para eleger uma mulher. Por quê? Porque as mulheres brasileiras conquistaram isso. Eu não cheguei aqui sozinha, apenas pelos meus próprios méritos. Somos a maioria aqui neste país.

Clique aqui para ler o texto original, em inglês.

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