terça-feira, 2 de julho de 2013

Radicalizar a democracia e transformar a política: breves impressões sobre as manifestações recentes



As recentes manifestações ocorridas no Brasil foram a maior mobilização social ocorrida nas últimas décadas e talvez já tenham superado o movimento dos cara-pintada na campanha Fora Collor. No calor do momento, como se sabe, a compreensão de fenômenos desta natureza torna-se mais complexa, a separação entre novas e velhas formas de mobilização, organização e articulação torna-se mais difícil, daí a importância de um esforço mais concentrado de reflexão, principalmente para que possamos compreender como o potencial gerado pela população nas ruas pode acelerar a velocidade das transformações no país.

As mobilizações foram bastante positivas, chacoalharam toda a sociedade e pressionaram os governos e os parlamentos a darem respostas concretas para as ruas e para as redes. Estamos diante de uma oportunidade para aprofundar as mudanças em curso no Brasil há uma década, portanto, é importante também avaliar as contradições e os desafios impostos a partir desse momento.

Nos últimos anos o projeto democrático e popular provocou profundas transformações: forte crescimento econômico, ampliação do mercado formal de trabalho e fortalecimento do Estado, além de importantes avanços na distribuição de renda e na inclusão social. Este processo fez com que 40 milhões de brasileiros ascendessem socialmente a partir da ampliação do consumo e da renda. Contudo, faltaram políticas estruturantes no campo educacional, da saúde e da cultura, com capacidade de não apenas gerar consumidores, mas cidadãos críticos e ativos.

O crescimento das cidades e das regiões metropolitanas, acompanhado pela especulação imobiliária, pelo modelo rodoviarista e pela ausência da reforma urbana, intensificou os problemas vividos no dia a dia pelos cidadãos. Grandes deslocamentos do trabalho para casa, graves problemas de saneamento, serviços ruins de saúde e educação e ausência de equipamentos culturais e esportivos nas periferias não permitiram uma ampliação da qualidade de vida tal como o esperado. Ou seja, a vida melhorou da porta de casa para dentro, mas piorou da porta de casa para fora.

Portanto, mesmo que com importantes avanços no Brasil, há de sobra motivo para indignação e luta. Fica claro essa afirmação, quando analisamos o início do movimento recente, com a luta pela redução da tarifa dos transportes. O Passe Livre mobilizou-se em torno de uma causa justa: o alto custo do transporte no orçamento das famílias que vivem nas cidades, uma pauta de fácil compreensão e de alto apelo social. O estopim deste processo se deu com a forte repressão policial ocorrida em São Paulo, que sem nenhum controle e com o aval do governador do estado promoveu um show de horrores, iniciado na esquina da Rua da Consolação com a Rua Maria Antônia. Vale destacar: tais práticas violentas são corriqueiras nas periferias, principalmente nos bailes funks.

Entretanto, foi apenas a partir desse episódio, que inclusive atingiu jornalistas da grande imprensa, que as imagens ocuparam os principais veículos de comunicação e geraram um sentimento de solidariedade de milhares de jovens e da sociedade em São Paulo e no Brasil.

Erram aqueles que desqualificam os manifestantes por serem jovens da “classe média” e também aqueles que consideram um movimento conservador e com predominância da direita. É importante recuperar as lutas que promoveram transformações no Brasil como as Diretas Já e o Fora Collor, ambas protagonizadas por jovens de classe média, brancos. No entanto, existe um fenômeno interessante que vale a pena destacar: apesar de elevada escolaridade, em comparação com a maioria da população, a grande maioria dos que foram para as ruas é composta por trabalhadores mais do que por estudantes. Aliás, parte dos manifestantes são jovens que ascenderam socialmente com as políticas do período Lula/Dilma, e que reivindicam novas políticas para que seu direito de acesso à cidadania torne-se também um direito de acesso ao uso democrático das cidades.
Um aspecto que merece grande atenção está no fato de que a grande multidão que veio as ruas não possui representantes tradicionais e intermediários (partidos/organizações/sindicatos/entidades estudantis), trata-se de um contingente que veio para as manifestações a partir de articulações realizadas nas redes sociais. Esse é um fenômeno novo que talvez seja um dos mais difíceis de compreender e por isso tem provocado respostas equivocadas da esquerda, principalmente do PT.

É também verdade que pautas da direita entraram na multidão, contudo, a defesa de saúde e educação de qualidade, assim como transporte público, demonstram que existe uma forte demanda por mais Estado e políticas públicas. Ou seja, existe um desejo pelo aprofundamento das transformações surgindo das ruas e das redes.

Uma das poucas certezas que um momento como esse nos permite apontar está na constatação de que há um clamor popular por modificações no modelo democrático atual, todas as instituições são colocadas em xeque, da esquerda à direita, partidos e movimentos sociais tradicionais estão sob avaliação.  

A reação violenta de grupos de direita infiltrados, contrários à presença da esquerda organizada, com forte apoio da massa, assusta e preocupa. Contudo, a resposta me parece bastante diferente do que tradicionalmente a esquerda sugere. Ligar o carro de som e empunhar as bandeiras para disputar o movimento a fim de trazê-lo para a esquerda tem sido uma estratégia bastante usual e muito equivocada, afinal, o cenário pede menos um embate de quem pretende dirigir o movimento e mais a agregação de quem se dispõe a realizar uma efetiva disputa de hegemonia.

No atual momento é preciso desconfiar de todas as fórmulas prontas e receitas velhas conhecidas. Para dialogar com este novo fenômeno, que vem se constituindo há pelo menos 13 anos, é preciso paciência e ousadia. Paciência para compreender uma nova linguagem política. Ousadia para iniciar a auto-crítica acerca de como a acomodação institucional e a burocratização tem limitado a criação de novas respostas, mesmo em partidos sensíveis à voz das ruas como é o caso do PT.

É também muito importante apresentar uma nova agenda para os nossos governos democrático-populares. A reclamação sobre a tarifa dos transportes, o comportamento dos meios de comunicação tradicionais e das novas redes sociais, assim como a insatisfação com relação à classe política nos obriga a pensar, no âmbito federal, em questões fundamentais como a justiça tributária, a democratização da comunicação e a reforma política, e no âmbito municipal nos impõe o desafio de articular respostas que passam, por exemplo, pelas políticas de participação e de juventude. Este é o momento de renovar a esquerda radicalmente.

A juventude que está nas ruas não aceita mais ser representada por este modelo vertical de política, mediado por lideranças burocráticas e/ou com concepções vanguardistas. Essa juventude quer ser ouvida para valer, quer participar da política de verdade. Essa juventude está convocando a sociedade brasileira a construir instituições mais participativas, mais permeáveis e mais transparentes, sua força está na sua pluralidade. Não é possível dirigir e organizar a pauta dessa multidão nos marcos tradicionais da política, o que devemos fazer é nos somar, nas ruas e nas redes, a essa voz coletiva que não quer apenas falar, mas quer sobretudo decidir.



*Gabriel Medina, psicólogo, foi presidente do Conselho Nacional da Juventude e, é atualmente  coordenador de Políticas para a Juventude da Prefeitura do Município de São Paulo.



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