As pesquisas divulgadas nos últimos dias revelam algo que "as vozes
das ruas" já demonstravam, mesmo que de forma implícita: as mobilizações
ocorreram e ocorrem contra o modelo de Estado brasileiro.
A queda da popularidade dos governos, independente de partidos, torna o
descontentamento com o modelo do Estado evidente. A revolta contra o
esgotamento do modelo de organização política é canalizado para quem
simboliza o poder, para quem materializa o Estado. Todas as
"fotografias" do momento registradas pelas pesquisas vão mostrar queda
de popularidade daqueles que hoje podem representar as instituições,
prefeitos, governadores e a própria Presidenta Dilma.
Não tive oportunidade de interpretar nenhuma pesquisa que analisa o
desempenho do Legislativo e do Judiciário, mas me arrisco a dizer que se
a popularidade desses Poderes forem medidas apontarão uma queda também.
A mensagem é muito clara: é urgente uma reforma do Estado brasileiro. É
necessário que se crie instrumentos de participação popular que sejam
permanentes. E, onde esses instrumentos já existirem - como Orçamento
Participativo, Conselhos Gestores, Conselhos de Representação,
Conferências, entre outros - é urgente que se reforce e amplie o papel
de independência e poder deliberativo desses espaços, que se incorporem
os novos movimentos sociais em suas estruturas. Não há dúvidas também
que é necessário que se crie mecanismos populares de transparência, de
controle da execução orçamentária, dos gastos públicos, combatendo o
sentimento que a "corrupção é endêmica", que a sociedade é impotente
diante de tamanha mazela.
O mesmo cabe ao Legislativo. As Casas de Leis precisam aprimorar suas
relações com a sociedade civil. Os Parlamentos tendem a ser o Poder que
"drene" o maior descontentamento, já que está mais próximo da sociedade,
não tem "a caneta da execução" nem o mando e nem o temor gerado pelo
Judiciário. Consequentemente, fica com ele o maior desgaste.
Mesmo muitas vezes sendo tratado como mito, como algo intocável, o
controle público da sociedade civil sobre o Judiciário tem que estar na
agenda das reformas do Estado no Brasil.
Diante dessa pauta, acerta muito a presidenta Dilma ao ser interlocutora
e organizadora da pauta difusa que vem das ruas. Ela traduziu os
sentimentos das mobilizações em uma agenda de iniciativas que provocará o
debate sobre as reformas e nos levará, obrigatoriamente, a um Estado
mais democrático, participativo e popular.
Com a institucionalização da pauta dos movimentos sociais, com sua
tradução em uma agenda de Governo, a presidenta Dilma trava uma luta
para que essa energia transformadora demonstrada pelos novos movimentos
sociais fortaleça a democracia brasileira, enfraquecendo as saídas
conservadoras, personalistas e autoritárias, para a nítida crise de
representação que se explicita por conta do esgotamento do modelo do
nosso Estado. A sociedade quer ser representada, mas quer também
participar do processo decisório.
Tudo indica que teremos uma polarização do debate no próximo período: se
devemos ou não utilizar o plebiscito para fazermos uma consulta popular
sobre a reforma política eleitoral que será adotada no Brasil. Eu penso
que essa polarização é o que de melhor poderia acontecer. Fico muito
satisfeito que os setores conservadores se levantem contra a utilização
do instrumento de decisão popular. O Brasil precisa neste momento de um
processo de politização sobre qual modelo de sociedade.
As mobilizações foram importantes para tirar todas as instituições
brasileiras da letargia, mas faltou formulação política para as palavras
de ordem, e isso não é uma crítica. A forma como o movimento foi
gestado, a sua origem, impediu que ele fosse "porta voz" de uma
concepção política, que ele representasse um "modelo de sociedade". Mas é
inegável que os movimentos, sem a tradicional politização, apresentaram
uma pauta de mudanças.
A polarização sobre o plebiscito ou não, sobre o poder popular de
decisão ou não, pode dar o "acabamento final à obra de arte" elaborada
no histórico junho de 2013. A polarização desse debate mostrará a
distinção entre as formulações de modelo de sociedade, consequentemente,
sobre até onde as forças políticas desejam de fato um Estado mais
democrático e popular. É bom para a democracia, para os avanços que a
sociedade defende na organização política "que nem todos os gatos sejam
pardos".
O debate do plebiscito vai aglutinar distintamente dois blocos na
sociedade brasileira: o campo democrático e popular que vai defender o
poder de decisão do povo brasileiro e um bloco conservador que tem uma
concepção mais elitista de modelo de Estado. Será um processo muito rico
que levará ao avanço da democracia brasileira na construção de uma nova
cultura política. Aí sim junho de 2013, o desmoronamento de verdades e
medos, terá valido a pena.
Se o presidente Lula ficou marcado na história brasileira por liderar um
governo que provocou uma profunda "revolução social" do país, com a
inclusão de milhões de pessoas, a presidenta Dilma está liderando um
governo que já dá mostras que fará a maior “revolução na cultura
política” da história do povo brasileiro.
*Edinho Silva é deputado estadual e presidente do PT no estado de São Paulo
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