Num país que conta com um sistema de comunicação detentor de setores virtualmente monopolizados e confessadamente engajado no pensamento único neoliberal, é difícil realizar qualquer debate com um mínimo de racionalidade. É o que avalia o líder do PT na Câmara Federal. Para ele, os barões da mídia estão mais interessados em desinformar do que contribuir para um debate sistemático.
Por Paulo Teixeira
Num país que conta com um sistema de comunicação detentor de setores virtualmente monopolizados e confessadamente engajado no pensamento único neoliberal, é difícil realizar qualquer debate com um mínimo de racionalidade, já que os barões da mídia estão mais interessados em desinformar do que contribuir para um debate sistemático.
Aqui, a coisa chega a tal exagero que o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), instituição que secreta nestes trópicos os miasmas ideológicos do "Tea Party" americano, não tem dificuldade para se apresentar na imprensa como defensor das classes médias e da justiça tributária, nem que para tanto seja necessário torturar os números e dissimular convicções profundas.
A primeira grande falácia consiste em difundir que o Brasil tem uma carga tributária insuportável, quando se sabe que temos uma carga tributária média. A segunda grande falácia constitui em não informar como esta carga foi construída; a terceira grande falácia é tentar passar a ideia de que ela é ruim para todos, evitando informar que ela beneficia os mais ricos e prejudica os pobres e a classe média. Finalmente, a última falácia é não informar sobre quem trava as tentativas de se fazer uma reforma tributária.
Num quadro preparado pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), o Brasil aparece como 17ª carga tributária, abaixo da média da carga tributária dos países membros da entidade, que é 36,1%, contra 34,7% da carga brasileira. (Fonte Receita Federal).
A carga tributária brasileira em 1993, quando começou a gestão de FHC à frente do Ministério da Fazenda, era de 25,72% do PIB. Em 2002, quando se encerrou o segundo governo FHC, a carga tributária tinha subido para 31,86%. Isso equivale a um crescimento de 6,14% do PIB, ao longo de um período de nove anos. Com Lula, de 2003 a 2008, a carga tributária variou de 31,86% a 35,80%, uma evolução de 3,94% do PIB.
Estes números requerem explicações: os dados disponíveis cobrem apenas seis anos do governo Lula. Com FHC, a expansão da carga, enquanto proporção do PIB, aconteceu via criação de contribuições, como CPMF e CIDE, congelamento da tabela do Imposto de Renda durante quase todo o período, e o avanço da COFINS. Sob Lula não houve aumento de imposto federal.
Porém, sob Lula, ocorreu aumento da arrecadação pela ampliação do número de contribuintes, tanto entre trabalhadores como entre empresários. A aceleração da atividade econômica tem o poder de gerar emprego e renda, quando acompanhada de políticas salariais justas, como de fato ocorreu. Aliás, durante o governo Lula, a direita conseguiu extinguir a CPMF, o que resultou num corte de R$ 40 bilhões para a saúde. Além disso, o governo Lula, para combater a crise de 2008, adotou a iniciativa de reduzir ou cortar o IPI incidente sobre vários produtos.
Ainda sobre carga tributária é preciso considerar que seu tamanho pode ser relativizado, quando se levam em conta transferências e subsídios previstos no sistema tributário e na política de gastos públicos. Estudo do IPEA mostra que, em 2008, a carga tributária líquida foi 20,50% do PIB. As transferências para a Previdência e assistência social e os subsídios ficaram com 15,3% do PIB daquele ano. Destes 20,50% do PIB, que é a carga tributária líquida, há que se considerar que 5% são destinados ao pagamento de juros da dívida pública. Daí a correção da política da redução da Selic de juros básicos.
Dados do IBGE mostram a carga tributária brasileira por base de incidência em 2008:
Consumo 48%
Renda 22%
Folha de salário 21%
Outros 5%
Patrimônio 4%
Fonte: OCDE/IBGE
Essa distribuição é deformada, pois taxa-se excessivamente o consumo, atingindo fortemente os setores mais pobres da população, tratando de maneira igual os desiguais.
Mas, quando se trata de taxar patrimônio, o sistema é brando. Isso se expressa na modesta contribuição do patrimônio (4%) para a formação do bolo tributário brasileiro e fica escancarado quando se considera que o ITCD, imposto sobre heranças e doações tem uma alíquota de 4%, enquanto nos Estados Unidos, Alemanha e França esta alíquota é de 40%. Uma taxação mais forte e progressiva sobre patrimônio permitiria uma taxação mais branda do consumo, faria justiça fiscal e baratearia os preços dos bens de consumo, contribuindo para a geração de emprego e renda.
Para enfrentar os efeitos da crise internacional e a depreciação do dólar, que tem reduzido a demanda externa e comprometido nossas exportações e reduzido a competitividade da indústria nacional, o governo da presidenta Dilma Roussef editou MP 540, que desonera a folha de pagamentos de diferentes setores, como os que prestam serviços de tecnologia da informação (TI) e da informação e da comunicação (TIC), as indústrias moveleiras, de confecções e de artefatos de couro. O objetivo é estimular a formalização das relações de trabalho nestes setores e fomentar a atividade produtiva nesta área sensível. Essa iniciativa deve servir também como teste, com vistas à extensão a outros setores, de desonerações semelhantes, sempre com a preocupação de não comprometer as receitas necessárias para a manutenção da previdência, da assistência e do SUS.
Registre-se que os princípios da capacidade contributiva e da progressividade estão consagrados em nossa Constituição. Caberia aos legisladores a tarefa de colocá-los em prática, fazendo uma reforma tributária compatível com aqueles princípios e adotando outras providências para simplificar a legislação tributária, hoje objeto de 27 leis diferentes, cada uma correspondendo a uma das unidades da federação. Esta diversidade de leis está na raiz da chamada guerra fiscal que prejudica a todos. A simplificação do sistema tributário e o combate à guerra fiscal são, portanto, objetivos relevantes.
Uma reforma tributária para concretizar os objetivos consagrados na Constituição envolve muitos atores: as três esferas do poder, os entes federativos, os empresários, os trabalhadores e outros. Esse emaranhado de atores cria a camuflagem perfeita para que os partidários do "Tea Party" local se disfarcem. Esta situação talvez indique a necessidade de uma Constituinte exclusiva para tratar do assunto.
Finalmente, cabe ressaltar que a crise e os movimentos sociais do mundo estão exigindo mais justiça tributária e mais controle de capitais. Quem quiser se colocar à altura do momento histórico que vivemos precisa dar respostas positivas a estes desafios.
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